2024: um ano que promete ser movimentado em termos tributários

11 JAN 2024

2024: um ano que promete ser movimentado em termos tributários

O final de 2023 foi rico em alterações na legislação tributária. Afora a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 que modificou o Sistema Tributário Nacional com relação aos tributos sobre o consumo, foram também aprovadas leis e editadas Medidas Provisórias quase sempre polêmicas e objetivando aumentar a arrecadação.

Nosso objetivo neste artigo é analisar algumas destas alterações normativas e as perspectivas que elas abrem para os contribuintes, para o Fisco e para os Poderes da República.

 1 – EC nº 132/2023 – Reforma Tributária

Iniciamos pela alteração constitucional. Embora se reconheça o avanço por ela representado, ainda levará anos até ser definitivamente implementada. Muitos pontos das modificações precisarão ainda ser definidos em leis complementares, cabendo ao Poder Executivo enviar esses projetos ao Legislativo em até 180 (cento e oitenta) dias.

Pelas inúmeras manifestações já expressas não só por representantes de diversos setores da economia, mas também por parlamentares, prefeitos e governadores, prevê-se em 2024 um grande esforço político para elaborar e aprovar as mencionadas leis, numa tentativa de conciliar interesses muitas vezes antagônicos.

Inicialmente, o governo deve criar, com Estados e municípios, 19 grupos técnicos para o estudo da regulamentação e da administração do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A previsão é que a portaria seja publicada em breve no Diário Oficial da União.

Os grupos serão temáticos e tratarão de assuntos como cesta básica, critérios para alíquotas de referência, imposto seletivo, Zona Franca, entre outros, devendo, ao final, formular a respectiva proposta de texto legal, acompanhada de relatório com a fundamentação técnica.

 2 - Medida Provisória nº 1.202/2023 – Desoneração da Folha de Pagamentos

Muita negociação política também terá que haver a partir da discussão da Medida Provisória nº 1.202, editada ao final de 2023, reonerando a folha de pagamentos de 17 setores da economia nacional e, com isto, aumentando o ônus tributário dos contribuintes, o custo de gerar empregos e prejudicando a competividade do setor produtivo brasileiro. Além disso, a MP revoga os benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e cria limites para a compensação dos créditos originários de vitórias dos contribuintes contra o Fisco junto ao Poder Judiciário.

A desoneração da folha de pagamento havia sido recentemente prorrogada até 2027 a partir do PL nº 334/2023, o qual foi aprovado pelo Congresso, mas integralmente vetado pelo presidente Lula. No entanto, em uma derrota para o governo, o Congresso acabou por derrubar o veto.

O anúncio da MP de reoneração, revogando uma lei que já havia sido aprovada pelo Congresso, vetada pelo Presidente da República e finalmente promulgada após a derrubada do veto, levou a críticas de congressistas e pedidos de sua devolução ao Executivo, sob a alegação de que representaria uma afronta ao Legislativo. Toda esta polêmica está se desenvolvendo atualmente no Congresso, cabendo ao Presidente do Senado definir o destino da MP.

 3 - Lei nº 14.789/2023 – Tributação das Subvenções para Investimentos

Outra alteração relevante e polêmica decorreu da conversão da Medida Provisória nº 1.185/23 na Lei nº 14.789/2023, e da sua regulamentação pela Instrução Normativa RFB nº 2.170/23. Estas normas tratam das novas regras para a tributação das subvenções de investimentos destinadas à implantação ou expansão de empreendimento econômico.

Neste novo modelo, quando se tratar de uma subvenção para investimento, a empresa poderá apurar crédito fiscal de IRPJ correspondente a 25% das receitas de subvenção, que poderá ser usado pelo contribuinte para compensar tributos federais. Poderá ele, alternativamente, pedir ressarcimento em dinheiro.

Esta nova Lei, decorrente de proposta do Poder Executivo, chama a atenção por estar em manifesta inconformidade com o posicionamento do STJ de reconhecimento amplo das subvenções e da exclusão dos tributos sobre a renda e o faturamento dos valores recebidos a título de incentivos outorgados pelos entes federados.

A partir de agora, ficam revogadas as regras atuais que desoneram as subvenções para investimento do pagamento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, tributos que passarão a incidir normalmente sobre as receitas decorrentes destas subvenções.

Por outro lado, a Lei criou um sistema em que contribuintes tributados pelo lucro real poderão apurar um “crédito fiscal de subvenção para investimento” em relação ao recebimento de subvenções da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, desde que destinadas a implantar ou expandir empreendimento econômico.

Mas a lei apresenta outros pontos que devem gerar dúvidas e possivelmente a judicialização de diversos casos: a necessidade de habilitação prévia desses créditos junto à Receita Federal e a violação do princípio federativo representado pela tributação pela União de benefícios fiscais concedidos por Estados e Municípios.

 4 - Lei Complementar nº 204/2023 – ICMS nas Transferências entre Estabelecimentos do mesmo Contribuinte

Outro dispositivo legal aprovado ao final de 2023 e que passará a vigorar a partir de 01/01/2024 é a Lei Complementar nº 204 que alterou a LC nº 87/96 (Lei Kandir).

Nela foi estabelecida a não incidência de ICMS nas saídas de mercadorias de um estabelecimento para outro de mesma titularidade, bem como a manutenção dos créditos relativos às entradas das mercadorias transferidas, em linha com o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADC 49.

No entanto, a redação dada ao recém-criado Parágrafo 4º, I do artigo 12 da LC nº 87/96, trouxe diversos questionamentos que deverão ser resolvidos em 2024. O dispositivo estabelece que o contribuinte deve transferir o crédito para o estado de destino, em montante limitado à alíquota interestadual (4, 7 ou 12%) aplicada “sobre o valor atribuído à operação de transferência realizada”, devendo o saldo residual ser mantido no Estado de origem. Porém, não definiu como vai ser calculado este “valor atribuído à operação”.

Tal omissão certamente será objeto de inúmeros questionamentos e de provável judicialização por parte dos contribuintes.

 5 - Instrução Normativa RFB nº 2.168/2023: Regulamentação da Autorregularização Incentivada de Tributos Federais

Talvez esta IN seja a melhor notícia de final de ano para alguns contribuintes. Aderindo a este programa que teve início em 5 de janeiro e se encerrará em 1º de abril de 2024, será possível pagar os tributos administrados pela RFB, com redução de 100% das multas de mora e de ofício e dos juros de mora.

Podem ser beneficiadas pessoas físicas ou jurídicas, exceto as optantes pelo Simples nacional.

O programa abrange créditos tributários não constituídos até 30 de novembro de 2023, mesmo quando já iniciado o procedimento de fiscalização e, também, créditos tributários constituídos entre 30 de novembro de 2023 e 1º de abril de 2024, inclusive os decorrentes de auto de infração, notificação de lançamento e de despachos decisórios que não homologuem compensação.

A forma de liquidação engloba redução de 100% das multas (de mora e de ofício) e dos juros de mora mediante pagamento à vista de no mínimo 50% da dívida consolidada na data do requerimento, a título de entrada, podendo o valor remanescente ser parcelado em até 48 vezes com acréscimo de juros calculados pela taxa Selic.

Além disso, para o pagamento da entrada será permitida a utilização de (1) créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa de CSLL, limitada a 50% do valor da dívida consolidada; e (2) créditos de precatórios (próprios ou adquiridos de terceiros) reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

 

Assim, com todas estas novidades, entramos em 2024, ano este que promete ser muito movimentado em termos tributários, exigindo um enorme esforço adaptativo dos contribuintes e muito trabalho normativo por parte dos poderes Executivo e Legislativo. E o Judiciário, por sua vez, certamente deverá receber inúmeras demandas, até que a jurisprudência a respeito dos novos tributos e das modificações introduzidas pela nova legislação se consolide definitivamente.

 

Referências Bibliográficas