Redirecionamento da execução fiscal: quando podem os sócios responder pelas dívidas tributárias da empresa com seu patrimônio pessoal?

16 AGO 2023

O redirecionamento da Execução Fiscal na jurisprudência

O redirecionamento da Execução Fiscal é um instrumento jurídico que costuma ser utilizado pelo Fisco para garantir o pagamento das dívidas tributárias das empresas.

O procedimento consiste na inclusão, no polo passivo da ação, do sócio gerente ou administrador da pessoa jurídica, fazendo com que este responda com seu patrimônio pessoal pelos débitos tributários da empresa.

Sabe-se que, com base no princípio da autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus sócios, estes, regra geral, não respondem pessoalmente pelas dívidas da empresa. Isto porque a pessoa jurídica possui personalidade e patrimônio autônomos, que não se confundem com a de seus sócios, conforme disposto no artigo 49-A do Código Civil.

No entanto, esta autonomia patrimonial não é um direito absoluto, podendo, excepcionalmente, ser requerido o redirecionamento da execução fiscal, desde que preenchidos os pressupostos estabelecidos tanto pelo CTN quanto pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

O principal fator a ser considerado para o redirecionamento da execução fiscal é que o simples inadimplemento tributário não enseja a responsabilidade do sócio pelas dívidas da empresa (Tema 97 e Súmula 430 do STJ), devendo o Fisco, para tanto, comprovar a prática de atos fraudulentos, sonegação, excesso de poderes e infração à lei ou ao contrato social (art. 135, III do CTN).

Dissolução Irregular

A dissolução irregular da sociedade consiste na paralisação das atividades empresariais sem o devido procedimento de liquidação ou de regularização da baixa nos órgãos competentes.

O STJ, na Súmula 435, decidiu que, sendo o procedimento para a extinção de sociedades empresárias disciplinado em lei, seu desrespeito configura ilícito que autoriza o redirecionamento pela aplicação do art. 135, III do CTN.

Desta forma, a dissolução irregular da sociedade também é causa para o redirecionamento da execução, sendo este um dos motivos mais frequentes que levam o judiciário a buscar os bens dos sócios e administradores da empresa executada.

Analisando com mais profundidade a matéria, o STJ, no Tema Repetitivo 962, definiu que o redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, não pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio que, embora exercessem poderes de gerência ao tempo do fato gerador, sem incorrer em prática de atos com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos, dela regularmente se retirou e não deu causa à sua posterior dissolução irregular.

A mesma Corte, ao julgar o REsp 1.645.333-SP, editou o Tema Repetitivo 981 autorizando o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio ou o terceiro não sócio que detenha poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não exercesse poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido.

Ou seja, o que interessa para efeitos de redirecionamento quando houver dissolução irregular da empresa é a gerência no momento desta dissolução e não a gerência na ocorrência do fato gerador, exceto se, nesta última ocasião, for comprovada a prática de ato ilícito.

Sobre o tema, também já decidiu o STJ que “a certidão emitida pelo Oficial de Justiça atestando que a empresa devedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial é indício de dissolução irregular, apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente, de acordo com a Súmula 435/STJ”.

A Primeira Turma do TRF4, por sua vez, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 5026784-71.2023.4.04.0000, decidiu que, o fato da empresa estar ativa perante a Receita Federal, entregando as declarações anualmente,  não é capaz de infirmar a presunção de sua dissolução irregular se houver sido certificado por oficial de justiça que a executada não funciona mais no endereço constante no contrato social, arquivado na junta comercial.

Prescrição do Redirecionamento

Importante matéria de defesa no caso de redirecionamento da execução fiscal contra os sócios de uma empresa é a prescrição.

Inicialmente, cabe lembrar que há duas espécies de prescrição tributária: a prescrição ordinária tributária (ou apenas prescrição tributária) e a prescrição intercorrente tributária.

A prescrição ordinária tributária é disciplinada pelo art. 174 do CTN, que prevê o prazo de 5 (cinco) anos, começando a fluir a partir da data de constituição definitiva do crédito tributário.

O parágrafo único do art. 174 do CTN, por sua vez, prevê, de forma taxativa, as causas interruptivas da prescrição, entre elas o despacho do juiz ordenando a citação. Na hipótese da ocorrência de quaisquer delas, o prazo prescricional de 5 (cinco) anos recomeça a contar em sua integralidade.

A prescrição intercorrente tributária, por sua vez, observa o disposto no art. 40 da LEF, segundo o qual, não sendo localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, o juiz suspenderá a execução fiscal. Decorrido o prazo de 1 (um) ano sem que tenham sido encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará o arquivamento do feito. Após o transcurso de 5 (cinco) anos, o juiz declarará a prescrição intercorrente.

Relativamente à prescrição do redirecionamento da execução para o patrimônio de sócios gerentes, observa-se que o legislador não disciplinou especificamente sobre o tema. Assim, diante da lacuna da lei, a jurisprudência do STJ consolidou o entendimento de que o pedido de redirecionamento não é imprescritível, sendo tratado, em geral, como uma forma de prescrição intercorrente.

Com base no art. 40, §4º da Lei 6.830/1980 e no art. 174 do CTN, o STJ definiu que, constituindo a citação da pessoa jurídica o marco interruptivo da prescrição, extensível aos devedores solidários (art. 125, III, do CTN), o redirecionamento deve ocorrer no prazo máximo de cinco anos contados da aludida citação.

Porém, em 2019, ao julgar o REsp 1201993/SP, o STJ editou o Tema 444, estabelecendo que o prazo prescricional de cinco anos será contado a partir da citação apenas quando ela for posterior à dissolução irregular ou a outro ato ilícito destinado a fraudar a execução.

Por outro lado, a citação positiva do sujeito passivo devedor original da obrigação tributária, por si só, não provocará o início do prazo prescricional quando o ato de dissolução irregular for a ela subsequente, uma vez que, em tal circunstância, inexistirá, na aludida data (da citação), pretensão contra os sócios-gerentes.

Portanto, o prazo prescricional de cinco anos é contado a partir da citação da empresa devedora quando antes dela tiver ocorrido o ato ilícito destinado a fraudar a execução. Quando o ato irregular for posterior à citação, conta-se o prazo prescricional da data do ilícito. Em ambos os casos, contudo, a decretação da prescrição para o redirecionamento exige a comprovação da inércia da Fazenda Pública.

É o caso, por exemplo, de empresa já citada em execução de débitos decorrentes de simples inadimplemento de tributos, que venha a ser posteriormente dissolvida irregularmente. Em tal circunstância, inexistirá, na data da citação, pretensão contra os sujeitos de direito descritos no artigo 135, III do CTN, iniciando o prazo prescricional somente quando constatada a dissolução irregular.

Trata-se aqui da adoção pelo STJ da Teoria da Actio Nata, segundo a qual a contagem do prazo prescricional somente é possível a partir do conhecimento da violação. Tal Teoria veio a trazer entendimento diferente ao artigo 189 do Código Civil que estabelece que: “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.

Assim, embora, regra geral, o termo inicial da prescrição seja a prática do ilícito, momento em que surge a pretensão do estado, a aplicação da regra do artigo 189 do Código Civil sem ressalvas poderia trazer prejuízos à Fazenda que teve seu direito violado sem ter tido, simultaneamente, ciência da violação.

Certidão de Dívida Ativa (CDA) Incluindo Nome de Sócios

No julgamento do REsp1.104.900/ES, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou a orientação de que:

a) se o nome dos corresponsáveis não estiver incluído na CDA, cabe ao ente público credor a prova da ocorrência de uma das hipóteses listadas no art. 135 do CTN;

b) constando o nome na CDA, prevalece a presunção de legitimidade de que esta goza, invertendo-se o ônus probatório.

No entanto, não há óbice para que o sócio, por meio da via adequada, invoque sua ilegitimidade mesmo que seu nome conste na CDA, desde que comprove a ausência dos requisitos presentes no art. 135 do CTN. Ou seja, mesmo diante da presunção de liquidez e certeza da CDA, para que o nome do sócio já conste da CDA a procuradoria estará obrigada a demonstrar que, ao longo do processo administrativo, foi comprovada a infração cometida por ele.

Redirecionamento para Sócios de Empresas do SN

O redirecionamento da execução fiscal para os sócios de empresas optantes do Simples Nacional, além dos pressupostos do artigo 135, III do CTN, também deve considerar o previsto no artigo 9º da Lei Complementar nº 123/2006, o qual estabelece que o “registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos 3 (três) âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias”.

Ou seja, ao contrário das demais, as empresas optantes pelo Simples Nacional podem requerer sua extinção mesmo possuindo débitos tributários em aberto, sem que isto caracterize dissolução irregular ou fraude à execução.

Por sua vez, os parágrafos 4º e 5º do artigo 9º da LC 123/2006 esclarecem que a baixa não impede posterior lançamento e cobrança dos tributos e que a solicitação de baixa “importa responsabilidade solidária dos empresários, dos titulares, dos sócios e dos administradores no período da ocorrência dos respectivos fatos geradores”.

Com base nestes dispositivos da LC, o STJ, no julgamento do RESP 1.737.677, entendeu que, “tratando-se de execução fiscal proposta em desfavor de micro ou pequena empresa regularmente extinta, é possível o imediato redirecionamento do feito contra o sócio, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a eventual insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação para, em tese, poder se exonerar da responsabilidade pelos débitos exequendos”.

Assim é redigido o mencionado dispositivo legal:

Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

....

VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Ou seja, na liquidação será feita a confrontação entre ativo e passivo da empresa, sendo distribuído ao sócio eventual ativo líquido antes de sua dissolução. Desta forma, de acordo com o STJ, para se exonerar do débito fiscal da empresa, o sócio deverá demonstrar que, no momento da liquidação, não havia ativo líquido a ser distribuído ou havia em volume insuficiente para fazer frente aos valores objeto da execução.

Jurisprudência do TJRS

O TJRS tem se posicionado no sentido de que, em se tratando de execução fiscal de ICMS, se a origem do crédito tributário for imposto não informado em GIAS, terá ocorrido sonegação fiscal, o que configura infração à legislação tributária autorizando o redirecionamento da ação executiva e responsabilização dos sócios administradores.

Ou seja, a simples lavratura de Auto de Lançamento de ofício, referente às infrações materiais básicas ou qualificadas previstas nos artigos 7º e 8º da Lei Estadual nº 6537/73, permite, de acordo com o TJRS, que a PGE requeira o redirecionamento da execução contra os sócios gerentes da empresa autuada, não sendo necessária a comprovação da prática de qualquer outro ato ilícito entre aqueles previstos no artigo 135 do CTN ou da dissolução irregular da sociedade.

Como exemplo, citem-se o Agravo de Instrumento Nº 70085071108 e a Apelação Cível Nº 50096674020178210010.

Referências Bibliográficas