Formação e utilização do saldo credor de ICMS

15 JUN 2023

Formação e utilização do saldo credor de ICMS

Muitas empresas apresentam de forma contínua saldos credores de ICMS na sua conta corrente fiscal, sem saber exatamente as causas e consequências deste fato. Assim, no presente artigo vamos analisar quais os fatores que implicam nesse acúmulo de créditos e quais as soluções previstas na legislação para que a empresa possa utilizá-los em seu benefício. Também vamos avaliar a legalidade das restrições impostas pelo Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul às transferências de créditos do imposto acumulados em função de operações de exportação.

1 – Formação do saldo credor de ICMS

1.1 - O princípio da não cumulatividade

 Para entender como a empresa pode acumular créditos de ICMS, deve-se antes atentar para um dos seus princípios fundamentais, estabelecido constitucionalmente, que é o da não cumulatividade.

 Assim estatui o artigo 155, parágrafo 2º, I e II da CF:

                 § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

                  I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

                  II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

               a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

                  b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

 

A sistemática da não cumulatividade funciona mediante a utilização do mecanismo de débitos e créditos, sendo os débitos oriundos das operações saídas ou de prestação de serviços, enquanto os créditos decorrem das operações de entradas ou da utilização de serviços.

 Mensalmente, as empresas fazem a comparação entre os débitos e os créditos gerados, devendo recolher a diferença caso os débitos sejam superiores aos créditos, e, caso contrário, podem transferir o saldo credor para ser utilizado em períodos de apuração subsequentes.

 A não cumulatividade do ICMS afasta os prejuízos causados pelo efeito cascata, fenômeno que prejudica as atividades econômicas onerando repetidamente todas as etapas da circulação de bens e da prestação de serviços. Desta forma, este princípio garante aos contribuintes o pleno aproveitamento dos créditos de ICMS, evitando que a carga tributária distorça a formação de preço das mercadorias e afete a competitividade das empresas.

 Conforme o artigo 155, § 2º, II da Constituição Federal, caso haja isenção do imposto na saída das mercadorias, deverão ser estornados os créditos de ICMS registrados pelas respectivas entradas.

 Além disso, embora não seja explicitamente mencionado no texto constitucional, segundo a tese fixada pelo STF no julgamento do RE 635.688, (Tema 299 da Repercussão Geral), a redução da base de cálculo de um tributo equivale à isenção parcial, de modo que deve ser operada a anulação proporcional dos créditos de ICMS relativos às operações anteriores, salvo determinação legal em contrário na legislação estadual.

 1.2 - Motivos que levam a acumulação de saldo credor

 Qualquer empresa, dentro de suas operações normais, provavelmente irá gerar saldos devedores de ICMS. Tal fato decorre dos princípios básicos do funcionamento de qualquer empreendimento que vise lucro, uma vez que os preços de venda de seus produtos serão, em geral, superiores aos preços de compra. Como consequência, sendo iguais as alíquotas incidentes, os débitos pelas saídas serão, via de regra, superiores aos créditos pelas entradas, originando valores de imposto a pagar.

 Porém, características operacionais próprias de uma determinada empresa ou do ramo de atividade em que atua, bem como benefícios fiscais previstos na legislação tributária estadual, poderão fazer com que surjam saldos credores em sua conta corrente fiscal, seja de forma temporária, restritos a alguns períodos de apuração, seja de forma contínua, avolumando-se ao longo do tempo.

 1.2.1 – Saldos credores acumulados temporariamente

 Duas situações costumam provocar o acúmulo temporário de saldo credor.

 A primeira ocorre em momentos em que a empresa está aumentando os seus estoques. Isto pode ocorrer no início de suas atividades, na abertura de uma filial ou quando estiver expandindo seus negócios, períodos em que as compras são realizadas em maior volume, acarretando maiores créditos de ICMS, sem que ocorram vendas na mesma proporção.

 A outra situação advém da sazonalidade das operações que caracteriza alguns ramos de atividade. Nestes casos, a empresa irá apresentar saldos credores nos meses em que concentrar suas compras, os quais serão utilizados para abater os débitos gerados nos meses em que efetuar as respectivas vendas. Como exemplo, podemos citar uma indústria de sorvetes, que, nos meses de inverno, aumenta seu estoque de embalagens, matéria prima, produtos prontos etc., gerando saldos credores. Já nos meses de verão, com o aumento das vendas e dos respectivos débitos de ICMS, os saldos credores são utilizados para reduzir o imposto a ser pago.

 Nas situações acima mencionadas, os saldos credores são temporários, normalmente deixando de existir ao longo do tempo à medida que a empresa passa a operar de forma contínua e rentável reduzindo seus estoques.

 1.2.2 – Saldos credores acumulados de forma contínua

 Saldos credores de ICMS que se acumulam ao longo do tempo de forma contínua geralmente são decorrentes de benefícios fiscais aplicados às saídas das mercadorias ou das prestações de serviços da empresa, tais como isenção, não incidência, redução de base de cálculo ou redução de alíquota, aliados ao benefício do não estorno dos créditos fiscais relativos às respectivas entradas.

 O acúmulo de saldo credor também pode decorrer de saídas em que há o diferimento do imposto, situação em que, embora não seja efetuado o débito do ICMS não se exige o estorno dos respectivos créditos.

 Talvez o motivo mais comum da ocorrência de saldos credores acumulados de ICMS seja a realização de operações de exportação ou de prestação de serviços para o exterior, cuja tributação é vedada pela imunidade constitucional prevista no artigo 155, II, §2º, X, abaixo reproduzido:

           “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

            (...)

           § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

            (...)

           X - não incidirá:

      a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado  nas operações e prestações anteriores;”

 Note-se que o legislador constitucional, juntamente com a imunidade do ICMS nas saídas para o exterior, também garantiu o direito ao aproveitamento do crédito do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores, desonerando, assim, as exportações, de forma a aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no exterior.

 Já o artigo 3º, parágrafo único da Lei Complementar nº 87/1996, garantiu aos estabelecimentos industriais ou comerciais que venderem seus produtos para empresas comerciais exportadoras, com o fim específico de exportação, a não incidência do ICMS sobre estas operações. São as chamadas exportações indiretas, cujo tratamento fiscal é equiparado aos das exportações.

 Este benefício é reproduzido no artigo 11 do Livro I do RICMS/RS, também sendo previsto o benefício do não estorno dos créditos fiscais das respectivas entradas, conforme os incisos primeiro e segundo do artigo 35 do Livro I do mesmo Regulamento. In verbis:

            Art. 11 - O imposto não incide sobre:

            (...)

        V - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

          NOTA 01 - Ver: saídas equiparadas à exportação, parágrafo único; benefício do não estorno do crédito fiscal, art. 35, I.

            (...)

            Parágrafo único - Equiparam-se às operações destinadas ao exterior, referidas no inciso V, as saídas de mercadorias realizadas com o fim específico de exportação para o exterior destinadas a:

            NOTA 01 - Ver benefício do não estorno de crédito fiscal, art. 35, II.

            a) empresa comercial exportadora, inclusive "tradings" ou outro estabelecimento da mesma empresa;

            b) armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.

 

 1.3 – Os prejuízos para empresa em manter saldo credor acumulado

 Como vimos, por vezes o acúmulo de saldo credor de ICMS ocorre de forma apenas temporária, sendo em seguida compensado pelos débitos decorrentes das vendas. Nestes casos, pode-se afirmar tratar-se de fato normal, não trazendo prejuízos à empresa.

 No entanto, o sucessivo acúmulo de saldo credor, avolumando-se ao longo do tempo, é um grave problema tributário e financeiro para a empresa.

 Estando o imposto embutido no preço das compras, os créditos acumulados representam desembolso financeiro, e, caso não sejam utilizados para a compensação de débitos, a empresa se tornará “credora” do fisco, tendo o saldo credor um elevado custo financeiro e representando um lucro fictício tributado pelo IRPJ e pela CSLL.

Sabe-se que o saldo credor acumulado não é contabilizado em custos e sim no Ativo Circulante, como Impostos a Recuperar, de forma que, enquanto a empresa não utilizar de alguma forma os créditos acumulados, estará pagando IRPJ e CSLL sobre um lucro que não se realizou, sobre valores que não entraram no caixa.

 A empresa optante pelo Lucro Real, sofre a incidência de IRPJ (contando o adicional de 10%) e da CSLL na ordem de 34% sobre o lucro. Logo, apresentando saldo credor acumulado de forma recorrente, a empresa será tributada pelo fisco federal em 34% sobre o seu montante, além de arcar com o custo financeiro do dinheiro parado.

Além disso, o acúmulo de saldo credor por um período prolongado pode levar à prescrição do direito ao seu aproveitamento, já que a legislação estipula um prazo de 5 anos para que os créditos de ICMS sejam utilizados pelos contribuintes. Após este período, os créditos devem ser estornados definitivamente, não podendo mais a empresa aproveitá-los.

 2 – Utilização do saldo credor acumulado

 O uso mais comum do saldo credor de ICMS é para a compensação de débitos relativos a operações de saídas tributáveis de mercadorias ou de prestações de serviços de transportes ou de comunicações.

 Mas o saldo credor de ICMS acumulado a qualquer título pela empresa, poderá também ser utilizado, mediante autorização da SEFAZ, para compensar créditos tributários lançados, inclusive acréscimos legais. Ou seja, para quitar ou para pagar parcialmente dívidas tributárias que empresa tenha com o Estado.

 No entanto, não são compensáveis os créditos tributários decorrentes de infração tributária material qualificada ou aqueles que estejam em fase de cobrança judicial (artigo 60 do Livro I do RICMS), exceto, nesta última hipótese, se o saldo credor for decorrente de operações de exportação. Neste caso, o saldo credor poderá ser utilizado para pagamento de créditos tributários constituídos, observado o limite de 60% (sessenta por cento) do montante de cada crédito tributário, devendo o saldo, as custas judiciais e os honorários advocatícios em favor da Procuradoria-Geral do Estado ser pagos em moeda corrente.

 Sendo impossível o aproveitamento dos saldos credores de ICMS acumulados pelo mesmo estabelecimento em que foram obtidos, o RICMS prevê diversas possibilidades de transferência do crédito, tanto para filiais da mesma empresa quanto para estabelecimentos de terceiros situados no RS.

 Porém, deve-se para as diversas condicionantes estabelecidas pelo RICMS, sendo que muitas delas, como veremos ao final, contrariam o disposto na LC nº 87/96 e afrontam diretamente os princípios constitucionais da não-cumulatividade e da legalidade, sendo passíveis de contestação judicial.

 Regra geral, podemos ter as seguintes formas de transferência de saldo credor de ICMS, dependendo da origem e do destino dos créditos:

 1 – transferência de saldo credor de ICMS de qualquer espécie entre estabelecimentos da mesma empresa localizados no RS;

2 – transferência de saldo credor de ICMS de qualquer espécie ao estabelecimento deste Estado que resultar da transformação, fusão, incorporação, cisão ou venda de estabelecimento ou fundo de comércio, do contribuinte cedente do crédito;

3 – transferência de saldo credor de ICMS decorrente de exportações;

4- transferência de saldo credor decorrente de saídas de mercadorias efetuadas ao abrigo do diferimento do ICMS;

5 - outras hipóteses de transferência de saldo credor de ICMS a terceiros.

 No Rio Grande do Sul, o controle dos créditos e débitos de ICMS e a apuração do saldo devedor ou credor é feito nas GIAS - Guias de Informação e Apuração de ICMS, as quais devem ser enviadas mensalmente à SEFAZ pelos contribuintes do Estado.

O Campo 28 do Quadro B da GIA apresenta o valor do saldo credor de ICMS acumulado até o final do período de apuração a que se refere. Mas nem sempre todo o valor ali lançado será passível de transferência para terceiros em função das limitações impostas pela legislação, como a seguir será exposto.

 2.1 – Transferência de saldo credor de ICMS entre os estabelecimentos da própria empresa

O saldo credor de ICMS acumulado de um estabelecimento pode ser transferido para qualquer outro estabelecimento do mesmo contribuinte localizado neste Estado.

Ou seja, independentemente da origem do saldo credor, podem ser feitas transferências de créditos entre quaisquer estabelecimentos da empresa situados no RS. Para estas transferências, a legislação não impõe condições específicas nem exige autorização da SEFAZ.

Nestes casos, o estabelecimento que estiver transferindo o crédito deve emitir nota fiscal (artigo 25, III do Livro II do RICMS) informando o valor repassado que deve ser lançado a débito na EFD e na GIA. Já aquele que estiver recebendo a transferência, deve escriturar a nota fiscal na EFD e lançar o valor como crédito na GIA. Importante que, para que ocorra a validação desta operação pelo sistema da SEFAZ, os dois estabelecimentos façam os lançamentos nas GIAS relativas ao mesmo mês.

 2.2 – Transferência de saldo credor de ICMS de qualquer espécie a estabelecimento deste Estado que resultar de transformação, fusão, incorporação, cisão ou venda do estabelecimento cedente

Nestas situações, também é permitida a transferência de saldo credor de ICMS de qualquer espécie, sem necessidade de autorização prévia da SEFAZ, desde que o cedente tenha participado do respectivo negócio jurídico.

A emissão de nota fiscal e os lançamentos nas EFD’S e nas GIAS são similares aos explanados no item anterior.

 2.3 – Exigências comuns para transferência de créditos a terceiros

Os saldos credores acumulados, seja em decorrência de operações ou prestações destinadas ao exterior, ou a elas equiparadas (exportações indiretas), seja como resultado de operações realizadas ao abrigo do diferimento ou de outros benefícios fiscais previstos na legislação, podem ser transferidos a terceiros desde que sejam preenchidas as condições previstas no artigo 57 do livro I do RICMS.

Em primeiro lugar, sempre será exigida a emissão de uma nota fiscal para documentar a transferência.

Além disso, a empresa só poderá transferir a terceiros o saldo credor que exceder ao valor do imposto vencido e ainda não pago e ao valor do crédito tributário constituído no qual conste como devedor. Ou seja, antes de transferir a terceiros, a empresa deverá utilizá-lo para quitar seus próprios débitos e de suas filiais.

Outra exigência comum aos casos de transferência a terceiros é que seja obtida autorização prévia da Receita Estadual, mediante solicitação via E-CAC, na qual será demonstrada a origem dos créditos excedentes e informado o valor a ser transferido. Esta autorização será concedida mediante a emissão do documento denominado "Autorização de Transferência de Saldo Credor", subordinando-se à condição resolutória de ulterior constatação de irregularidade no saldo credor que deu origem à transferência.

Por fim, a autorização de transferência a terceiros sempre será condicionada à regularidade fiscal da empresa cedente do crédito fiscal e das empresas que com ela mantenham relação de interdependência ou sejam por ela controladas.

Desta forma, estas empresas devem estar em dia com o pagamento do imposto e não devem ter sido autuados nos últimos cinco anos por infração tributária material e nem tenham crédito tributário inscrito como Dívida Ativa, exceto, em ambas as hipóteses, se o crédito tributário correspondente estiver extinto, parcelado, garantido por depósito integral do seu valor ou com exigibilidade suspensa.

 2.4 – Transferência de saldo credor de ICMS decorrente de exportação

Preenchidos os requisitos apontados no item anterior, os saldos credores acumulados de ICMS em decorrência de operações ou prestações destinadas ao exterior, ou a elas equiparadas (exportações indiretas), podem ser transferidos para estabelecimentos de terceiros nas seguintes situações (artigo 58 do Livro I do RICMS):

1- por estabelecimento industrial, em favor de estabelecimentos fornecedores, mediante acordo entre os interessados, a título de pagamento nas aquisições de:

a) energia elétrica, matéria-prima, material secundário, produtos auxiliares ou material de embalagem, adquiridos de estabelecimento comercial ou industrial e destinados à industrialização, neste Estado, pela própria empresa adquirente;

b) máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, industriais ou de proteção ambiental, bem como acessórios, sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, adquiridos de estabelecimento industrial e destinado à integração no ativo permanente do estabelecimento da empresa adquirente situado neste Estado.

2 - para empresa fabricante de veículos, prevendo ampliação de unidade industrial;

3 - para outros contribuintes deste Estado que não guardem relação com a empresa cedente, mediante negociação entre as partes, com as limitações de valores estabelecidas no inciso V do artigo 58 do Livro Ido RICMS;

4 – para outros contribuintes do RS, através de Termo de Acordo firmado com a Receita Estadual, assumindo a empresa cedente compromissos tais como geração e manutenção de empregos, realização de investimentos e outros, conforme o artigo 58, § único do Livro I do RICMS.

No entanto, o RICMS e a IN 45/98 colocam mais algumas restrições a estas transferências, devendo a empresa efetuar diversos cálculos para apurar o valor efetivamente passível de transferência, além de executar alguns procedimentos administrativos previstos na legislação.

Inicialmente, para a apuração do valor do saldo credor passível de transferência deverão ser deduzidos os seguintes créditos do saldo credor constante na GIA do período imediatamente anterior ao da transferência:

a) os decorrentes de entradas de mercadoria, matéria-prima, material secundário, produtos auxiliares e material de embalagem:

1 - em estoque no último dia do período de apuração a que corresponder a GIA;

2 - empregados na fabricação de produtos industrializados ou em fase de industrialização, em estoque, na mesma data;

b) os recebidos por transferência;

c) os decorrentes de atualização monetária;

d) os presumidos referidos no RICMS, Livro I, art. 32;

e) outros créditos de ICMS eventualmente existentes decorrentes de aquisições de insumos empregados na fabricação de produtos não objeto de exportação ou de remessa com o fim específico de exportação.

Apurado o valor do saldo credor passível de transferência, a empresa deverá limitar o montante de créditos que pretende transferir aos parâmetros estabelecidos no artigo 58 do Livro I do RICMS.

Tendo os demonstrativos dos cálculos acima, antes de encaminhar a solicitação de transferência de saldo credor à SEFAZ, a empresa deverá efetuar a habilitação no sistema de transferência de saldo credor, por meio de Protocolo Eletrônico, disponível no Portal e-CAC, no site da Receita Estadual http://www.receita.fazenda.rs.gov.br .

Como se vê, são diversas as limitações e os procedimentos necessários para a transferência de saldo credor a terceiros exigidos pela legislação estadual. No entanto, como demonstraremos ao final, muitas dessas limitações podem ser contestadas judicialmente.

 2.5 – Transferência de saldo credor de ICMS acumulado por diferimento

Diferimento, conforme a própria acepção do termo, significa adiamento. No caso do ICMS, significa o adiamento do pagamento do tributo.

O diferimento não passa de uma modalidade de substituição tributária, chamada substituição tributária “para trás”, na qual o responsável pelo pagamento do imposto será o adquirente da mercadoria. É um benefício fiscal totalmente diferente da isenção. Enquanto esta é a dispensa legal de forma definitiva do pagamento do tributo devido, o diferimento consiste apenas no adiamento do seu recolhimento, em geral, por razões de política fiscal. Em ambos os casos, ocorre o fato imponível do tributo, porém, só no diferimento surge a obrigação tributária correspondente de recolher o tributo. Desta forma, sendo operação tributável, embora com pagamento postergado, não se exige o estorno dos créditos de ICMS relativos às respectivas entradas.

Cumpridas as exigências mencionadas no Item 1.3.3, o saldo credor de ICMS acumulado em função da realização de operações de saída ao abrigo do diferimento do imposto pode ser transferido por estabelecimento industrial a terceiros, limitando-se a transferência, por período de apuração, ao valor total do imposto incidente nas operações diferidas naquele período (artigo 59, II, “a” do Livro I do RICMS).

Esta transferência sempre dependerá de acordo entre os interessados, e deve se dar:

a) em favor de estabelecimentos fornecedores, a título de pagamento de até o máximo de 40% (quarenta por cento) do valor da operação, nas aquisições de matéria-prima, material secundário ou material de embalagem, adquiridos de estabelecimento comercial ou industrial e destinados à industrialização, neste Estado, pela própria empresa adquirente;

b) em favor de estabelecimentos fornecedores, para aquisições de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, industriais ou de proteção ambiental, bem como acessórios, sobressalentes e ferramentas que acompanhem esses bens, adquiridos de estabelecimento industrial e destinados à integração no ativo permanente do estabelecimento da empresa adquirente, situado neste Estado, desde que, para o pagamento, não sejam utilizados mais que 75% (setenta e cinco por cento) do valor do saldo credor, apurado nos termos do regulamento.

 2.6 – Outras hipóteses de transferência de saldo credor de ICMS a terceiros

O artigo 59 do Livro I do RICMS prevê várias outras possibilidades de transferência de créditos a terceiros, acumulados por diversos tipos de benefícios fiscais, cada uma com suas condições específicas.

 

3 – Aspectos jurídicos das limitações ao uso de créditos fiscais acumulados em função de operações de exportação

 

 Como já visto, são inúmeras as restrições impostas pelo Regulamento do ICMS do Estado do Rio Grande do Sul às transferências de créditos de ICMS acumulados pelas empresas em função de operações de exportação.

Ora, conforme artigo 99 do CTN, o decreto regulamentar deve restringir-se ao conteúdo da lei, não podendo, portanto, impor condição ou restrição não disciplinada no diploma legal de regência. Desta forma, as limitações impostas pelo RICMS configuram violação ao princípio da legalidade e da não-cumulatividade, uma vez que o direito de transferência e aproveitamento de créditos fiscais estão garantidos pela LC nº 87/96, como iremos a seguir demonstrar.

Inicialmente, reproduzimos o disposto no artigo 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal:

           Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

           (...)

       II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior

           (...)

           §2.º O Impostos previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

           (...)

            X –não incidirá:

         a) nas operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatário no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas  operações e prestações anteriores;

 

Ou seja, as operações que destinem mercadorias para o exterior não sofrem a incidência do ICMS, sendo assegurada a manutenção e o aproveitamento do imposto cobrado nas operações anteriores,

A Constituição Federal refere, ainda, que compete à Lei Complementar:

     a) disciplinar o regime de compensação do imposto e

     b) estabelecer casos de manutenção de créditos relativos a mercadorias e serviços exportados.

 Ao regular a compensação do ICMS, a LC nº 87/96, nos seus artigos 3º e 25, determina a possibilidade de transferência do saldo credor acumulado de ICMS em razão de operação de exportação de mercadorias, in verbis:

            Art. 3º O imposto não incide sobre:

            (...)

          II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;

             (...)

            Art. 25. Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado.

       §1º Saldos credores acumulados a partir da data de publicação desta Lei Complementar por estabelecimentos que realizem operações e prestações de que tratam o inciso II do art. 3º e seu parágrafo único podem ser, na proporção que estas saídas representem do total das saídas realizadas pelo estabelecimento:

              I - imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

           II - havendo saldo remanescente, transferidos pelo sujeito passivo a outros contribuintes do mesmo Estado, mediante a emissão pela autoridade competente de documento que reconheça o crédito.

           § 2º Lei estadual poderá, nos demais casos de saldos credores acumulados a partir da vigência desta Lei Complementar, permitir que:

               I - sejam imputados pelo sujeito passivo a qualquer estabelecimento seu no Estado;

               II - sejam transferidos, nas condições que definir, a outros contribuintes do mesmo Estado.

 Desta forma, além de corroborar a não-incidência de ICMS sobre a operação de exportação de mercadorias, a Lei Complementar expressamente ainda prevê a possibilidade de transferência dos créditos advindos de exportação, sem impor qualquer restrição para tanto.

Consequentemente, as limitações impostas pelo Fisco, em relação aos créditos decorrentes de exportações, não decorrem de disposições do diploma legal que regula o ICMS, o qual permite a transferência do crédito pela empresa exportadora.

 Como é sabido, a Constituição Federal, no seu artigo 146, estabelece que cabe à Lei Complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como estabelecer normas gerais em matéria tributária. Não cabe, portanto, à norma infralegal, fixar limites, de forma a restringir um direito do contribuinte previsto em legislação de âmbito nacional.

Ademais, conforme já pacificado pela jurisprudência, o artigo 25, § 1º, inciso II, da LC nº 87/96, é autoaplicável, ou seja, não se trata de norma que necessita de complementação por norma especial. Assim, por ter eficácia plena, é evidente que as restrições contidas na legislação estadual, em relação às transferências de créditos decorrentes das exportações, não são aceitáveis, justamente por restringirem direito assegurado por norma hierarquicamente superior.

Ante o exposto, conclui-se que as restrições previstas no artigo 58 do Livro I do RICMS acima citadas afrontam diretamente os princípios constitucionais da não-cumulatividade e da legalidade, sendo passíveis de contestação judicial.

 

 

Referências Bibliográficas